Emprego, Criatividade e Propriedade Intelectual

 

Manuel Serrão, Jornal de Notícias, 06-05-2015

 

http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=4551258&opiniao=Manuel%20Serr%E3o

1. A falta de mão de obra...
No momento em que consegui consultar ontem em Frankfurt a edição online do nosso JN, a manchete falava da falta de mão de obra que preocupa a indústria têxtil e vestuário nos dias que correm.
(http://www.jn.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=4549279)

Para mim, que passei os últimos 28 anos da minha vida "enfarinhado" neste fantástico setor que adoro, não foi propriamente uma novidade. Como aliás referia de passagem essa notícia, fui testemunha privilegiada dos anos em que esta indústria tinha o funeral encomendado e por quem quase todos os gurus políticos, nacionais e internacionais, rezavam missas do sétimo dia, semana sim, semana não. Lembro-me bem dos ominosos tempos em que até nos bancos acendiam luzes vermelhas e tocavam campainhas de alarme sempre que um empresário têxtil franqueava a porta de entrada de qualquer dependência bancária. Não consigo disfarçar um sorriso irónico sempre que nestes tempos novos vejo alguns banqueiros e alguns bancários a engolirem a sua arrogância e a chafurdarem na lama das suas incompetências e desvarios, enquanto as indústrias têxteis que não desistiram e tiveram juízo ajudam hoje o país a levantar-se do chão e contribuem para o equilíbrio das nossas contas com o exterior.
Estou em Frankfurt a acompanhar 20 dessas empresas, que fazem da inovação e competitividade internacional o seu modo de vida, beneficiando de incentivos do QREN e do COMPETE para representarem Portugal com o orgulho e a competência por todos aqui reconhecido. Hoje sabemos que foi a "moda" de dizer mal da têxtil, de quem lá investia e de quem lá trabalhava, que quase ia acabando com a ITV e hoje faz com que exista esta falta de mão de obra de que falava o JN de ontem. Os nossos jovens podem ser jovens, mas não são parvos, nem masoquistas e quando à sua volta tudo dizia que a têxtil estava acabada, era uma indústria sem futuro, era o que mais faltava irem eles tocar viola para um enterro onde se garantia que não faziam falta nenhuma.
Entretanto, quem teve o condão de pensar pela própria cabeça e força e coragem para resistir contra tudo e contra todos, fazia o caminho da reconversão e hoje é o país todo que está convertido ao seu sucesso internacional. Muitas delas são esta semana vedetas na Techtextil, na terra de Merkel.

2. ...e o excesso da mão invisível.
Graças também às novas tecnologias não precisei de sair de Frankfurt para assinar uma petição online para defesa dos direitos de autor. Copywrightforfreedom deve interessar todos aqueles que, como eu, escrevem, ou cantam, desenham, criam software, no fundo, exercem uma atividade que os torna sujeitos com direitos de autor. É evidente que a multiplicação de formas de comunicação tem vindo a tornar a proteção destes direitos uma tarefa hercúlea, mas lá está, aqui, como na indústria têxtil dos anos da crise, é preciso não atirar a toalha ao chão. A criatividade pode e deve ser protegida, como um direito maior e cada autor tem a obrigação também maior de contribuir criativamente para essa brutal tarefa de proteger a criatividade... de si própria.
Acresce que esta "batalha" pelos direitos de autor não se resume apenas a esse mundo, que já de si valia uma luta sem quartel. Por trás deste ataque aos direitos de autor está uma sibilina campanha contra a liberdade de expressão e parece que ainda foi ontem que vimos meia Europa a dizer-se Charlie, para agora sermos surpreendidos por muitas dessas figuras e figurinhas europeias a mostrarem total indiferença por estas leis que se preparam para atentar contra essa mesmíssima liberdade de expressão.
Cada consumidor, autor também ou só consumidor das obras feitas, tem de ser capaz de reagir com calma e objetividade ao canto de sereia, que apresenta tudo mais fácil e mais barato, num mundo em que a capacidade criativa dos autores é colocada à disposição de toda a comunidade, sem outro preço que um muito obrigado envergonhado. Provavelmente não será para este exagero que aponta a nova legislação em discussão, mas que é nesta direção que as coisas se estão a perfilar não tenho a mais pequena dúvida. Por mim não passarão comigo a ver a banda passar!

Manuel Serrão in http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=4551258&opiniao=Manuel%20Serr%E3o

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